terça-feira, 23 de outubro de 2007

Pontos sobre a evolução do Código Penal

Já comentei em post anterior que um passatempo que adquiri depois de começar a faculdade de Direito foi o de pegar de vez em quando uma leizinha ou um julgadozinho e dar uma lida. Aliás, como já falei antes da importância de se conhecer a lei, seria bom que todas as pessoas lessem um parágrafo de uma lei todo dia antes de dormir, principalmente da Constituição brasileira que define direitos básicos que nenhuma outra lei pode suprimir (sendo por isso muitas vezes invocada para decisões de recursos).

Uma das leis que mais gosto de ler é o Código Penal (CP), como mencionei no mesmo post. Formalmente, o CP é o decreto-lei 2.848 de 7 de dezembro de 1940. Gosto muito de lê-lo e acho muito interessante sua abrangência. Brinco com meus amigos dizendo que lá tanta coisa é definida como crime que só faltava tipificarem o crime de ir ao banheiro.

O CP já sofreu várias alterações, e é interessante ver que algumas delas refletem claramente mudanças na nossa sociedade. Por exemplo, o artigo 215, que tipifica o crime de posse sexual mediante fraude, antes tinha o texto: "Ter conjunção carnal com mulher honesta, mediante fraude", passou para "Ter conjunção carnal com mulher, mediante fraude" por força da Lei 11.106, de 28 de março de 2005.

Isso já mostra um grande avanço, pois, além dessa expressão "mulher honesta" ser altamente subjetiva (para não dizer também anacrônica, quando usada como sinônimo de mulher casta ou pudica), é um absurdo imaginar que uma mulher promíscua não deva ser protegida desse tipo de crime (além de outros, como o estupro, que teve texto legal alterado de forma similar).

Aliás, repare que conjunção carnal com homem mediante fraude não é o mesmo crime, apesar de que eu imagino que o princípio da livre convicção do juiz talvez possa levar um magistrado a utilizar a analogia (entre a mulher e o homem na qualidade de vítima do crime) como fonte do direito para emitir uma possível condenação de uma mulher que cometer um crime desses contra um homem.

EDITADO: Olha só a bobagem... Mas me perdôo porque ainda sou um calouro de primeiro ano falando sobre disciplinas que ainda não estudou. Não existe analogia no Direito Penal: o juiz só pode considerar crime aquilo que está explícito e detalhado na lei. Ou seja, o homem deve tomar cuidado com a fraude de uma mulher porque ela não cometerá crime se praticar a conjunção carnal com ele, mas o contrário vale.

Uma outra evolução interessante do CP na mesma lei foi a eliminação do crime de adultério. Até a lei que alterou o CP, quem cometesse adultério estaria sujeito a uma pena de 15 dias a 6 meses de prisão. A lei 11.106 revogou o dispositivo correspondente.

Ao me ouvir comentando isso, um colega de trabalho já festejou: "Oba, quer dizer que agora está liberado!" Calma, amigo. Isso só quer dizer que não é mais crime, mas o adultério afeta as condições do processo de divórcio, além de ser possivelmente usado como argumento em um pedido de indenização por danos morais.

Esse comentário do meu colega ilustra bem o quanto a tipificação do adultério como crime estava totalmente defasada com relação aos usos e costumes da atualidade na sociedade brasileira: hoje em dia o adultério não é visto da mesma forma como era visto em 1940. Se, por um lado, a sociedade continua condenando moralmente o adultério (ou a traição em um relacionamento, de uma forma geral), por outro tolera mais a sua prática.

A prática jurídica deve ser assim: doutrinadores e juristas apresentando opiniões e trazendo os temas à discussão, juízes e tribunais decidindo de acordo com a lei e observando as tendências e os valores sociais, legisladores reformando as leis de forma a aproximá-las dos valores considerados importantes para a sociedade, evitando distorções.

Pena que nesse processo haja muita gente defendendo apenas o próprio interesse.

Agradeço a minha esposa Mariana e à profa. Andréa Ueda pela correção.

0 comentários (clique para comentar):