quarta-feira, 17 de outubro de 2007

Sobre roubo e furto

Ao final do post de ontem, comentei a respeito do Código Penal, e com isso acabei me lembrando de minha aula (ainda em Direito Romano) sobre os delitos, em especial sobre furto e roubo.

A diferença entre ambos, informalmente, é nenhuma. O dicionário Houaiss, como primeiro significado de furto, coloca lá, categoricamente: roubo. Mas a lei (e isso desde os romanos) os define diferente:

Furto: "Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel.", conforme o art. 155 do Código Penal (Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940).

Roubo: "Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência.", conforme o art. 157 do Código Penal (Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940).

Pela simples leitura dos dois artigos, já conseguimos extrair algumas informações interessantes:

  • Tanto faz se for roubo ou furto: o objeto tem que ser uma coisa móvel. Assim, é errado dizer "roubaram aquela casa" (porque a coisa tem que ser móvel) ou mesmo "fui roubado" (porque o objeto é uma coisa e não uma pessoa).

  • O roubo distingue-se do furto, essencialmente, pelo uso, pelo criminoso, de "grave ameaça ou violência à pessoa". Observamos aí, em primeiro lugar, que não precisa haver violência, basta haver grave ameaça. Me pergunto se a jurisprudência ou a doutrina já pacificaram o que é "grave" na expressão; se o bandido me diz "o relógio ou a vida" apenas, mas claramente não está armado, seria grave a ameaça? Ou ainda, se ele me diz "passa o relógio ou eu digo para todo mundo que você gosta de música sertaneja", isso pode ser ameaça grave, se minha reputação depender disso? É claro (e acabo de ler um acórdão do TJSP sobre roubo) que apontar uma arma é grave ameaça, mas os casos limítrofes ainda ficam na dúvida...

  • "ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência." é também bem interessante. Quer dizer que o golpe "Boa noite, Cinderela" (quando alguém é dopado e depois tem seus bens subtraídos) é considerado roubo e não furto.

E qual a importância de se identificar, claramente, se um crime é roubo ou é furto?

Muito simples: a pena básica de roubo é de quatro a dez anos mais multa, e a de furto é de um a quatro anos, mais multa. É óbvio que um "roubante" vai tentar ao máximo criar argumentos que minimizem a gravidade da ameaça, mostrem que a violência empregada foi legítima defesa ou que a vítima tinha, sim, possibilidade de resistir ao roubo, para se configurar como "furtante". E é óbvio que o Ministério Público vai tentar derrubar tais argumentos.

Também é interessante prestar atenção ao § 2º do art. 155 do CP: "Se o criminoso é primário, e é de pequeno valor a coisa furtada, o juiz pode substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de um a dois terços, ou aplicar somente a pena de multa."

Essa possibilidade só existe no furto, e não no roubo. Isso explica o porquê daquele caso, há alguns anos, em que uma mulher "subtraiu" uma manteiga de uma padaria e foi presa e condenada, se não me engano, a uns quatro anos. Lembro inclusive de ter lido isso: o juiz entendeu que ela havia feito a tal "grave ameaça" e, portanto, o que ocorrera havia sido roubo e não furto, não havendo a possibilidade de liberação dela mesmo pelo valor da manteiga ter sido baixo.

Um último comentário bastante pertinente foi do Prof. Dárcio Rodrigues, em aula de Direito Romano, a respeito da confusão comum entre furto e roubo: esses novos alarmes de veículo, que além de uma sirene ensurdecedora, também têm uma voz berrando: "Atenção! Este carro está sendo roubado! Por favor, ligue para a empresa tal". Como o bandido não ameçou nem usou da violência para levar o carro (muito pelo contrário, se o carro estava com o alarme ligado, é porque o dono estava até longe), o que acontecia ali é furto, e não roubo.

Diz o coitado do Prof. que até lhe "dói os ouvidos" ouvir tamanha imprecisão jurídica.

Agradeço a Rafael Dourado pela ilustração.

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